O Brasil está no limiar de uma transformação no setor de biocombustíveis, impulsionada pela crescente relevância do etanol de milho. A decisão dos órgãos reguladores de aumentar a mistura de etanol na gasolina marca um ponto de inflexão, favorecendo as usinas de milho em detrimento das tradicionais produtoras de cana-de-açúcar. Este movimento estratégico sinaliza uma nova era na produção e consumo de etanol no país.
As usinas de cana-de-açúcar enfrentam um cenário de acirrada competição com o etanol de milho. O excesso de oferta tem impactado negativamente as perspectivas da indústria canavieira, levando muitas empresas a redirecionar seus esforços para a produção de adoçantes, em busca de alternativas mais rentáveis. Essa mudança reflete uma adaptação do setor frente aos novos desafios do mercado.
Martinho Ono, presidente da SCA Trading, observa uma clara tendência de crescimento no setor de etanol de milho, enquanto o setor de cana-de-açúcar se mantém estável. A expectativa é que essa dinâmica continue, impulsionada pela alta produtividade do milho, que mantém os custos de produção mais baixos em comparação com a cana.
O avanço do milho representa uma ameaça para grandes produtores de cana-de-açúcar, como Raízen e São Martinho, que têm enfrentado dificuldades com a queda nos lucros e a perda de valor de mercado. A competição com a gasolina, cujos preços são influenciados pela Petrobras, agrava ainda mais a situação dessas empresas.
O Brasil, como segundo maior produtor de etanol do mundo, possui um mercado interno robusto, com carros flex que utilizam etanol. A nova legislação, que eleva a mistura de etanol na gasolina de 27,5% para 30%, criará uma demanda adicional de 776 milhões de litros de etanol, conforme estimativas da consultoria FGA.
A produção de etanol de milho teve um aumento de aproximadamente 2 bilhões de litros nesta temporada, enquanto a produção de etanol de cana está em declínio, segundo dados da Datagro. A maior destinação da cana para a produção de açúcar tem contribuído para a queda dos preços do açúcar bruto em Nova York.
Empresas de etanol de milho se beneficiam do aumento na oferta do grão, que resultou em uma queda de 24% nos preços. Além disso, o processamento do milho gera subprodutos utilizados na ração animal, incentivando a expansão das usinas. Em contraste, o setor sucroalcooleiro tem recebido menos investimentos em capacidade adicional, e a produtividade agrícola da cana permanece estagnada.
Fabio Venturelli, CEO da São Martinho, ressalta que a cana-de-açúcar não acompanhou o desenvolvimento tecnológico observado na produção de milho. A empresa adicionou uma usina de milho ao seu portfólio e prevê uma redução no número de usinas de processamento de etanol de cana no Brasil, à medida que as menos eficientes encerram suas atividades.
O custo de produção de etanol a partir da cana-de-açúcar é cerca de 25% superior ao da produção a partir do milho, conforme estimativas da SCA. Essa disparidade impacta as margens de lucro dos produtores de cana-de-açúcar. Analistas do Bradesco BBI observam que os preços do etanol estão praticamente alinhados com os custos de produção da São Martinho no ano passado.
Apesar das dificuldades, a maior produção de açúcar traz vantagens, considerando que o Brasil é o maior exportador mundial do adoçante. Arnaldo Correa, sócio da Archer Consulting, destaca que o etanol de milho liberou mais cana para a produção de açúcar, mantendo o Brasil como principal fornecedor global.
Contudo, empresas como São Martinho, Raízen e Jalles Machado enfrentaram uma queda de aproximadamente 40% no valor de suas ações no último ano. A queda da Raízen reflete preocupações com seus níveis de endividamento, e o desempenho do setor sucroalcooleiro como um todo tem ficado abaixo do Ibovespa.
Via InvestNews