No universo digital, uma tendência preocupante tem ganhado espaço: a ação de sedutores de idosos. Criadores de conteúdo no TikTok têm utilizado declarações de amor genéricas para atrair pessoas em busca de afeto, explorando a vulnerabilidade emocional e, consequentemente, lucrando com isso. Essa prática levanta sérias questões sobre ética e responsabilidade digital, especialmente quando se trata de proteger a saúde mental de um público tão suscetível.
Esses vídeos, frequentemente embalados por músicas nostálgicas, simulam chamadas românticas direcionadas ao espectador. No final, os criadores incentivam curtidas e compartilhamentos como forma de demonstrar afeto, o que impulsiona a monetização de seus perfis. Alguns desses perfis acumulam milhões de seguidores e interações diárias, onde muitos idosos acreditam estar em um relacionamento afetivo real.
Especialistas alertam que esses casos expõem a crescente crise de solidão na terceira idade, afetando homens e mulheres. Isolados e carentes, muitos idosos encontram nesses vídeos a atenção que lhes falta, o que pode representar um risco significativo para sua saúde mental. A carência afetiva, seja pela ausência de amigos, familiares ou cônjuges, torna os idosos mais vulneráveis a se apegarem a conteúdos que oferecem uma sensação de conexão e afeto.
Até recentemente, muitos desses influenciadores não deixavam claro que seus vídeos eram apenas para fins de engajamento. Após denúncias de golpes utilizando suas imagens, alguns passaram a incluir avisos informando que interpretam personagens. O advogado especialista em crimes digitais, Danilo Pardi, ressalta que, mesmo que os criadores não apliquem os golpes diretamente, eles têm responsabilidade indireta ao alimentar uma ilusão que transforma pessoas vulneráveis em alvos para criminosos.
Um exemplo notório é o perfil de José Fernandes, que acumula cerca de 700 mil seguidores e 18 milhões de curtidas com conteúdos direcionados a mulheres. Ao final de seus vídeos, ele pede curtidas e compartilhamentos, simulando afeto e a possibilidade de interação, o que nunca acontece. A estratégia é eficaz: análises mostram que a maioria de seus vídeos recebe mais de mil comentários, gerando alta monetização.
Outro caso é o de Monica Santos, que se dirige a homens em seus vídeos, chamando-os de “amor” e expressando paixão, também com o objetivo de aumentar o engajamento. Monica possui 1,6 milhão de seguidores e 28 milhões de curtidas, com conteúdos exclusivamente voltados para essa dinâmica.
Recentemente, José Fernandes relatou ter registrado um boletim de ocorrência após descobrir que criminosos estavam usando sua imagem para enganar seguidoras, com relatos de prejuízos de até R$ 9 mil. Ele esclareceu que tem um relacionamento e não busca novas relações, o que causou desilusão entre suas seguidoras.
Danilo Pardi enfatiza que a combinação de conteúdo emocional e um público vulnerável cria um ambiente propício para golpes. Ele defende que os criadores têm responsabilidade digital e devem repensar como e para quem estão direcionando seus conteúdos.
A falta de letramento digital é um fator crucial para entender por que tantos idosos acreditam estar em relacionamentos virtuais. A solidão e a depressão, comuns na terceira idade, também desempenham um papel significativo. Dados do IBGE indicam que os idosos são o grupo mais afetado pela depressão no Brasil, atingindo cerca de 13% da população entre 60 e 64 anos, devido a mudanças no corpo, isolamento social, perda de entes queridos e da independência.
A psicóloga Larissa Fonseca destaca que a carência afetiva e a sensação de invisibilidade levam os idosos a se apegarem a conteúdos que oferecem atenção e afeto. Incluir os idosos em atividades sociais, promover a interação e o contato físico, e realizar chamadas de vídeo frequentes podem ajudar a combater a solidão. A especialista ressalta que é preciso entender a realidade do idoso e promover a alfabetização digital para que compreendam a natureza dos vídeos que consomem.
Mirian Goldenberg, antropóloga e pesquisadora sobre a terceira idade, destaca a importância de cultivar redes de apoio que não dependam apenas de um parceiro romântico. Ter amigas, conversar e buscar propósitos de vida que não girem em torno de um relacionamento podem ajudar a preencher o vazio existencial e a solidão.
Issaaf Karhawi, professora da USP, explica que a produção desses vídeos está ligada à lógica de monetização do TikTok, que exige um número mínimo de seguidores e visualizações. A busca por renda extra, impulsionada pela instabilidade econômica, leva muitos a produzir conteúdos sem entender a dimensão da responsabilidade que isso acarreta.
É crucial que as plataformas de mídia social, como o TikTok, revejam suas políticas e monitorem conteúdos que exploram a vulnerabilidade emocional dos idosos. Além disso, familiares e amigos devem estar atentos e oferecer apoio, promovendo a inclusão digital e o bem-estar emocional da terceira idade. A conscientização e a educação são ferramentas essenciais para proteger os idosos de golpes e desilusões nas redes sociais.
Via G1